segunda-feira, 9 de julho de 2012

Resenha do livro "No teto do mundo": com que medimos a grandeza de um homem?




                Nos momentos que não estou movimentando o físico (e nem estudando), gosto da possibilidade de “viajar” com a literatura. Falam em cultura de montanha referindo-se às práticas de vida adotadas pelos amantes das encostas escarpadas. Entretanto existe uma outra 'cultura de montanha' que é um hábito antigo desde os tempos dos primeiros expedicionários: escrever sobre as experiências vividas. Além das realizações físicas, as grande aventuras sempre envolvem uma certa dose de questionamentos que nos remetem às nossas mais profundas filosofias.  Um bom livro é como uma boa viagem: consegue reproduzir no seu imaginário aquelas experiências que o narrador viveu. Quanto mais nos aproxima dos sentimentos, dos gostos, dos cheiros, das cores, mais consegue nos transportar para dentro daquele universo e, além do mais, nos da aquela vontade (ou angústia) de nós mesmo provar aquilo que outro provou.


            Assim que vejo o livro recém publicado No teto do mundo (2011) de Rodrigo Raineri e Diogo Schelp. Encontro primoroso entre um aventureiro, suas vivências e um excelente escritor que consegue dar uma linha prazerosa  de leitura a narrativa. Com um vocabulário simples, analogias interessantes que são da nossa cultural geral, o texto se desenvolve de forma brilhante fazendo o leitor se sentir como um obeso insaciável querendo, sem limites, comer o último M&M's do pacote. Será uma febre do cume? Algo do tipo...

            Rodrigo Raineri é um escalador brasileiro com um currículo de alta montanha de dar inveja a grandes escaladores internacionais. Teve seu talento reconhecido após escalar a temida face sul do Alconcaguá na companhia de seu (finado) amigo Victor Negrete, considerada umas das vias mais difíceis e arriscadas do mundo. Também passou quatro expedições em busca de fazer cume no pico mais alto do planeta e, no caminho, perdeu seu maior parceiro. Conseguiu tal feita por duas vezes (2008 e 2011), se não bastasse agora tenta saltar de parapente do cume do Everest. Desistiu de uma vida segura oferecida por um trabalho convencional para viver seu sonho. Sua trajetória é digna de filme, mas foi perpetuada neste primoroso livro.  Como lembrou nosso grande Guimarães Rosa “ Agente vive é para provar que viveu”, faz jus a vida desse homem.

            Com um senso de prudência espetacular, Rodrigo Raineri, mostra que se expor à grandes aventuras não é um ato inconsequente de vaidade dentre seus pares e da grande mídia, mas um jogo de conquista que envolve a relação do montanhista consigo mesmo e uma espécie de namoro com a montanha. No final não há vitórias, mas relações entre o homem e a montanha, um caminho duplo de ida e volta. Livro que nos remete a pensar, por que vamos a estes lugares? Por que temos essa necessidade de passarmos tão perto da morte? (E olha, ele passou perto dela um par de vezes: através dos corpos cristalizados na subida do Alconcaguá e do Everest e perdeu seu grande amigo e parceiro de escalada). O livro não tenta dar respostas a estas perguntas e nem os eventos trágicos foram suficientes para freiar a motivação desse aventureiro.

             O caminho é sem retorno, a montanha já é parte do seu ser, uma necessidade imanente. Isso transparece de forma bela pelas linhas. A minúcia da organização das expedições demonstra, a despeito de todo desejo de cume, a vontade de viver. A narrativa não respeita a cronologia das empreitadas. Como uma mente em ação, o texto vai e volta nas expedições realizadas dando uma linha aos temas que os capítulos descrevem conduzindo o leitor ao âmago dos questionamentos sofridos por ele. Mais que um super-homem indo em busca de um grande feito, Rodrigo (se permite a intimidade) mostra-se como um sujeito comum, tão forte e tão frágil, cheio de dúvidas e medos, mas com um força incrível para desafiá-los. 

            Assim como a foto do cume que nos faz querer ir lá, deixo um trecho para aguçar a vontade da leitura.



“Olhei ao meu redor. Podia avistar os limites do planeta, longe, muito longe. O cume do Everest é uma plataforma levemente abaulada, de, no máximo, 20 metros de largura e uns 50 metros de comprimento, que acompanha o declive da montanha. Em alguns pontos há neve, em outros, rocha aparente. Simples assim. Incrível o que se é capaz de enfrentar apenas para ter a satisfação de estar ali. O homem é do tamanho dos seus sonhos.”



            Boa Viagem!







RAINERI, Rodrigo, 1969. No teto do mundo / Rodrigo Raineri com Diogo Shelp. São Paulo: Leya, 2011. 272 p.
            








        

Nenhum comentário:

Postar um comentário