segunda-feira, 23 de julho de 2012

2º etapa Brou Aventuras: "O Velho e o Mar"

     Esta postagem será duas em um: um relato da minha participação na segunda etapa da Brou; e uma resenha do livro O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway. Pretendo demonstrar que o conto de Hemingway tem tudo a ver com o que ocorreu comigo nesta prova. Bom, provas não são apenas desafios físicos, mas nos remetem as nossas mais profundas experiências estéticas devido aos sentimentos produzidos durante o desafio.
     A cidade de Boa Esperança, as margens da represa de Furnas, foi o local escolhido pela organização para a segunda etapa. Uma prova longa e bem dinâmica, muito remo e muita subida, um visual de tirar o fôlego, mesmo para os olhos mais acostumados com as belezas mineiras. Às 6 horas da manhã, pontualmente, largamos com um frio de cortar e com os primeiros raios do sol despontando no horizonte. Uma neblina dificultava a visibilidade da lagoa fazendo com que algumas equipes tivessem problemas para localizar a entrada que levava ao primeiro PC. Com um remo defasado pela falta de treinamento, segui num ritmo tranquilo. Com exatamente três horas saí da água, as pernas estavam duras como concreto, mas teria um pedalada para aquecer o corpo. 
    O primeiro trecho de mountain bike nos levava para o alto da serra onde boa parte da prova se desenrolaria. Um erro de interpretação do mapa me fez perder tempo me jogando para ultima colocação da categoria solo. Erro concertado, comecei a fazer uma prova de recuperação. Três adversários erraram de uma só vez fazendo com que eu saltasse da quinta para a segunda colocação, com um Humberto Couto seguindo na liderança 40 minutos na minha frente. Transições rápidas, precisão na navegação noturna e o preparo físico em dia me facilitaram entrar para a última pernada da prova na segunda colocação e com uma boa vantagem dos concorrentes que vinham atrás. Eram 22km de remo noturno, com um frio de 7 graus no marcador (ou seja, sensação térmica beirando a zero) que me esperavam. 
   Saí num ritmo tranquilo porém constante, não podia quebrar. Com dois kilometros de remada tinhamos que fazer uma portagem para atravesar uma barragem. Chegando no local indicado pela organização me deparo com Humberto, que tinha deixado sua mochila cair e voltará para busca-la. Saímos juntos e Humberto apagou sua head-lamp, pensei "olha o cara, não quer que o veja durante o remo!". Mal sabia eu que isso é uma técnica. Quando se rema em represas ou lagoas a noite, você apaga a lanterna e os olhos acostumam com a visão noturna possibilitando visualizar o relevo; já com a lanterna ligada é impossível ver qualquer coisa além das luzes de casas. Erros custam caros!! 
    Como tinha visualizado no mapa, bastava eu remar um pouco para o meio da represa e colocar um azimute de norte que bateria de frente no ponto que iria entrar para pegar o ultimo Pc. Esqueci de descontar a declinação magnética e passei 10 km da entrada do pc... Aqui entra o conto de Hemingway.
    Ernest Hemingway é um escritor norte americano que fez parte da "geração perdida", um grupo de jovens escritores que se reuniram em Paris ao redor de Gertrude Stein. Ele foi contemplado com um personagem no filme Meia-Noite em Paris (2011) de Woody Allen, fazendo com que meu interesse por seus livros fosse despertado. O Velho e o Mar é um de seus principais livros, dando ao autor, em 1954, o  Prêmio Nobel da literatura. Bom, o que um autor surrealista tem a ver com aventuras? Tudo, digamos.
Este livro narra a história de um velho pescador cubano, Santiago, que a três meses não pesca um peixe, já considerado um azarão. Saindo sozinho para pescar, todos os dias, Santiago sempre acredita na sua capacidade e tem uma fé inabalável de que irá pescar um grande peixe. Ele tinha um jovem garoto como ajudante que o admira muito, mas devido a seu azar a familia do garoto fez com trocasse de barco. Santigo consegue fisgar um grande peixe espada, de aproximadamente 5 metros de comprimento, e passa dois longos dias e noites lutando contra todas as adversidade e brigando para matar o peixe. Nessa interminável luta, Santiago se vê a volta pela solidão e por seus pensamentos. Após conseguir matar o peixe ele o prende na embarcação, entretanto no caminho de volta é atacado por tubarões chegando a costa apenas com a espinha do peixe, o maior já visto pelos pescadores locais. 
      A moral da história, como quase todos os contos de Hemingway, é esta crença na vida e na vontade de viver acima de tudo, encarando-a como um grande desafio que com uma força de guerreiro não se deve esmorecer aos desafios. O livro é um verdadeiro mito de sujeitos que com simplicidade, fé e coragem gostam de viver intensamente, sem nos remeter aquele final feliz sempre espererados de romances pobres. É um conto da vida como ela é!
     Voltando a prova, quando notei que tinha errado já tinha remado por 3 horas e meia represa abaixo e estava bem debilitado. Parei para dormir e de manhã peguei o rumo de volta. Com a cabeça bem abalada visualizei pela manhã o local que deveria ter entrado, mas com medo do PC não estar mais lá rumei direto para a chegada. Ao chegar fui informado que Humberto Couto tinha retornado sem pegar o PC; outro atleta solo, Matheus Alves, que vinha fazendo uma bela prova ficou bem abalado com um erro que cometeu no último trecho do MTB e não saiu para remar; apenas Marcelo Santos conseguiu pegar o PC, na solo, mostrando por que é o atual líder do ranking brasileiro. 
        Ora, assim como Santiago me senti ao término da prova. Tinha, realmente lutado contra todas as adversidades durante o percurso, posso dizer que 85% da prova fiz sozinho, apenas acompanhado pelos meus pensamentos (que não são poucos nem claros nestes momentos) e a noite pelas estrelas que davam um verdadeiro show de luz. A despeito de todo o azar e falta de experiência venho melhorando a cada prova e com o tempo creio que chegarei lá. Bom, se não chegar também não tem problema, o pódio é apenas alimento da nossa vaidade, digamos nossa maior vaidade como atleta. Mas, fazer uma prova magnífica em meio a natureza como esta, continuar a viver a vida intensamente e nunca perder a fé é sempre meu maior objetivo!
Abraços a Todos!

Pedro Alex

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Resenha do livro "No teto do mundo": com que medimos a grandeza de um homem?




                Nos momentos que não estou movimentando o físico (e nem estudando), gosto da possibilidade de “viajar” com a literatura. Falam em cultura de montanha referindo-se às práticas de vida adotadas pelos amantes das encostas escarpadas. Entretanto existe uma outra 'cultura de montanha' que é um hábito antigo desde os tempos dos primeiros expedicionários: escrever sobre as experiências vividas. Além das realizações físicas, as grande aventuras sempre envolvem uma certa dose de questionamentos que nos remetem às nossas mais profundas filosofias.  Um bom livro é como uma boa viagem: consegue reproduzir no seu imaginário aquelas experiências que o narrador viveu. Quanto mais nos aproxima dos sentimentos, dos gostos, dos cheiros, das cores, mais consegue nos transportar para dentro daquele universo e, além do mais, nos da aquela vontade (ou angústia) de nós mesmo provar aquilo que outro provou.


            Assim que vejo o livro recém publicado No teto do mundo (2011) de Rodrigo Raineri e Diogo Schelp. Encontro primoroso entre um aventureiro, suas vivências e um excelente escritor que consegue dar uma linha prazerosa  de leitura a narrativa. Com um vocabulário simples, analogias interessantes que são da nossa cultural geral, o texto se desenvolve de forma brilhante fazendo o leitor se sentir como um obeso insaciável querendo, sem limites, comer o último M&M's do pacote. Será uma febre do cume? Algo do tipo...

            Rodrigo Raineri é um escalador brasileiro com um currículo de alta montanha de dar inveja a grandes escaladores internacionais. Teve seu talento reconhecido após escalar a temida face sul do Alconcaguá na companhia de seu (finado) amigo Victor Negrete, considerada umas das vias mais difíceis e arriscadas do mundo. Também passou quatro expedições em busca de fazer cume no pico mais alto do planeta e, no caminho, perdeu seu maior parceiro. Conseguiu tal feita por duas vezes (2008 e 2011), se não bastasse agora tenta saltar de parapente do cume do Everest. Desistiu de uma vida segura oferecida por um trabalho convencional para viver seu sonho. Sua trajetória é digna de filme, mas foi perpetuada neste primoroso livro.  Como lembrou nosso grande Guimarães Rosa “ Agente vive é para provar que viveu”, faz jus a vida desse homem.

            Com um senso de prudência espetacular, Rodrigo Raineri, mostra que se expor à grandes aventuras não é um ato inconsequente de vaidade dentre seus pares e da grande mídia, mas um jogo de conquista que envolve a relação do montanhista consigo mesmo e uma espécie de namoro com a montanha. No final não há vitórias, mas relações entre o homem e a montanha, um caminho duplo de ida e volta. Livro que nos remete a pensar, por que vamos a estes lugares? Por que temos essa necessidade de passarmos tão perto da morte? (E olha, ele passou perto dela um par de vezes: através dos corpos cristalizados na subida do Alconcaguá e do Everest e perdeu seu grande amigo e parceiro de escalada). O livro não tenta dar respostas a estas perguntas e nem os eventos trágicos foram suficientes para freiar a motivação desse aventureiro.

             O caminho é sem retorno, a montanha já é parte do seu ser, uma necessidade imanente. Isso transparece de forma bela pelas linhas. A minúcia da organização das expedições demonstra, a despeito de todo desejo de cume, a vontade de viver. A narrativa não respeita a cronologia das empreitadas. Como uma mente em ação, o texto vai e volta nas expedições realizadas dando uma linha aos temas que os capítulos descrevem conduzindo o leitor ao âmago dos questionamentos sofridos por ele. Mais que um super-homem indo em busca de um grande feito, Rodrigo (se permite a intimidade) mostra-se como um sujeito comum, tão forte e tão frágil, cheio de dúvidas e medos, mas com um força incrível para desafiá-los. 

            Assim como a foto do cume que nos faz querer ir lá, deixo um trecho para aguçar a vontade da leitura.



“Olhei ao meu redor. Podia avistar os limites do planeta, longe, muito longe. O cume do Everest é uma plataforma levemente abaulada, de, no máximo, 20 metros de largura e uns 50 metros de comprimento, que acompanha o declive da montanha. Em alguns pontos há neve, em outros, rocha aparente. Simples assim. Incrível o que se é capaz de enfrentar apenas para ter a satisfação de estar ali. O homem é do tamanho dos seus sonhos.”



            Boa Viagem!







RAINERI, Rodrigo, 1969. No teto do mundo / Rodrigo Raineri com Diogo Shelp. São Paulo: Leya, 2011. 272 p.