sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Chauás 300km/Petar: a conquista de um sonho

         Feriado de 7 de setembro se aproximando, malas no carro, bike pendurada atrás, mochila de rango, reggae tocando no som. Bom, a configuração normal de quem está indo passar o feriado numa praia relaxando, pegando um sol e tomando cerveja com os amigos. Mas não era nosso caso. Iríamos dirigir por mil kilometros, de Ouro Preto até o interior sul de São Paulo, para fazer muita força e sofrer muito. A cidade que nos esperava era Iporanga, entrada para o parque do Petar: um conjunto de cavernas magníficos onde estalagmites e estalactites são tão normais como as bromélias. 

           Estava realizando um sonho, competir o Chauás 300km. Seria a primeira vez que eu e o Hugo iríamos fazer uma prova expedicionária de verdade. E, também, pela primeira vez contaríamos com uma equipe de apoio. Levei minha namorada, Mariana, e um amigo, Giordano, para fazer nosso apoio.  

            A prova foi dividida em 178km de bike, 82km de remo e 30 km de trekking. É necessário notar que apesar da pouca distância do trekking ele não seria nada fácil. Os organizadores jogaram as equipes para atravessar a Trans-Petar de noite. Dando uma vasculhada na internet encontrei uma dissertação de mestrado sobre corrida de aventura, em antropologia, que reportava o seguinte trecho sobre a Trans-Petar:


"Havia uma grande etapa de trekking (60km) que percorria uma antiga trilha do parque conhecida como "trans-Petar". Nessa etapa da corrida algumas equipes tiveram problemas para se deslocar e encontrar o caminho correto no meio da Mata Atlântica. Essas equipes ficaram perdidas por algumas horas (aproximadamente 36 horas). Duas equipes tiveram que ser resgatadas com uso de helicóptero pela equipe de socorro do exército. Apesar de ficarem perdidos na floresta, os integrantes das equipes não sofreram qualquer tipo de lesão grave. Esse acontecimento demonstrou a inexperiência de algumas equipes com relação à orientação no interior da mata. Por outro lado, a equipe da Nova Zelândia surpreendeu os organizadores da corrida, concluindo esse percurso de trekking com orientação em apenas oito horas".  (Ferreira, 2003:40)

                Ou seja, teríamos, nada mais nada menos, que o mítico trecho da Trans-Petar que na EMA 99 aniquilou as equipes brasileiras. Mas os anos se passaram, as técnicas de navegação foram aprimoradas no Brasil e, hoje, temos muitas provas que nos colocam a prova a navegação. Estava nervoso pela Trans-Petar e, para piorar, os moradores locais faziam questão de enfatizar que a região é cheia de onça parda. Além de correr o risco de ficar perdido dentro de uma mata atlântica fechada, ainda corria o risco de ser mordido por onça. Quer aventura? Agora aguenta! 

             Largada foi dada com um pequeno trekking dando um desfile pela cidade. Em seguida pegamos as canoas canadenses e partimos para 26km de remo pelo rio Ribeira. Mal começou o remo e já viramos a canoa. Das primeiras posições que ocupávamos, em menos de meia hora, estávamos em último. A canoa virada pela quinta vez, o Hugo vai tentar entrar com pressa e, já estressado, tropeça na canoa e cai  de peito na praia do rio. Passa por nós os últimos colocados - uma canoa com três integrantes - a menina que fazia o leme não se controla e solta uma bela gargalhada daquela cena de dois patetas sem a mínima  técnica levando um verdadeira "surra". 
- kkkk, ainda bem que não somos os últimos mais!!  Completa ela. 

                 Sem problemas, a pressa era última coisa que tínhamos naquele momento. Antes de mais nada precisávamos terminar aquele remo. Aos poucos fomos pegando o jeito e buscando posições. Numa das corredeiras mais difíceis, tinha uma galera fazendo portagem, outras viradas e resolvi encarar. Passamos ilesos!

                   Transição rápida e pegamos a bike, nosso forte. O trecho era rápido, de asfalto e com pouca navegação. Socamos a bota e fomos buscando as equipes uma a uma. Chegamos na área de transição para iniciar o trekking. Nossa equipe de apoio estava perfeita com um miojo preparado. Transição rápida e saímos comendo ainda. A primeira parte do trecho era sem grandes dificuldades, mas já começou a selecionar a galera. Continuamos buscando as equipes e batemos no PC4, Núcleo Caboclos, 20 minutos atrás do primeiro pelotão e as três primeiras duplas empatadas: Harpya (nós), Santa Ritta e Field Power.

                 O staff nos alertou na saída: "agora começa a Chauás".  "Sem problemas", pensei comigo, "não preciso de pressa e estou aonde queria estar". Não era momento para medo, apenas calma e navegar direito. Saímos juntos, as três duplas, e íamos nos ajudando na navegação. Um pequeno erro, foi o maior acerto de nossas vidas. Pegamos uma trilha de palmiteiro que juntava mais a frente com a trilha principal e dava um bom corte de caminho. Em vinte minutos estávamos encontrando de frente com a galera que vinha na ponteira da prova - Lobo-Guará, Pedro Pinheiro e Rodrigo Koke. Quando percebemos já tínhamos passado a entrada da trilha que deveríamos pegar. O bom é que lembrávamos o local, pois tinha uma arvore centenária bem onde ela começava.

                 Montamos uma verdadeira equipe de navegação, onde todos colaboravam: um ia a frente de batedor procurando a trilha, outra ficava atrás conferindo o azimute, outro calculava o tempo. Assim andávamos o tempo orientado e com um calculo bem preciso da nossa localização e de quanto tempo gastaríamos para chegar em cada entrada. Foi perfeito! A meia noite, com 7 horas de trekking, saímos no Núcleo Santana para encontrar nossos apoios e dar um susto neles. Lucas, ainda com um copo de vinho na mão, não acreditava que tínhamos conseguido sair tão cedo daquela floresta. Eu feliz por não ter encontrado nenhuma onça.

             Saímos numa bike rápida para pegar o remo outra vez. Ganhamos alguns minutos de vantagem para os outros concorrentes neste trecho. Entretanto, um remo noturno e perigoso nos aguardava. Eu e Hugo estavamos tensos e fomos na manha. Cada baralho de corredeira deixava os nervos a flor da pele e não enxergávamos nada. Apesar de todo cuidado, lá pelas tantas, viramos a canoa. Foi o maior sufoco para conseguir chegar a beira do rio e desvirar. Para compensar, fomos recompensados com um nascer alucinando que deixava a água parecendo um espelho luminoso de cor metálica e purpura. 

              Na metade do trecho fomos alcançados pela dupla Santa Ritta que vinha fazendo um remo bem melhor que nós dois. Os 56 km de remada eram intermináveis. Cada curva do rio parecia uma eternidade a se cumprir e as dores já se espalhavam por todo o corpo. Nos últimos três kilometros, a cada praia, parávamos para esticar as pernas. 

           Entregamos o remo as 10 horas da manhã, 20 minutos atrás da dupla Santa Ritta e uns 40 minutos atrás de Pedro Pinheiro. Comemos um macarrão maravilhoso e saímos para o último trecho da prova, 100km de bike. Estava um calor de matar e tínhamos apenas uma estratégia: fazer o máximo de força para conseguir tirar a diferença para dupla Santa Ritta antes da trilha que tinha na metade do caminho; lá seria bem dificil reduzir a diferença. Com 30km de pedal passamos por eles numa subida, estava um calor de matar e todo mundo estava sofrendo.

           Assinamos o último PC bem na entrada da trilha. Quando avistamos a frente vimos que teriamos uma "pedrada" para superar. A trilha, ou melhor, o complexo de erosões que os jipeiros produziram, em mais de sua metade era impossível de pedalar. E, para piorar, cruzamos com três jipes que no dia fizeram o favor de destruir mais o pouco que restava dela. Pensei comigo, "isso coisa do Lucas para nos fazer sofrer!" 

              Demoramos quase quatro horas para superar subidas intermináveis e descidas empurrando. Bem na saída da trilha avisto Pedro Pinheiro empurrando sua bike, ele tinha furado o pneu e estava sem bomba. Emprestei minha bomba para ele, estava passando muito mal, não conseguia comer mais nada que tinha na mochila. Ando um pouco e avisto uma família acampando a beira de um rio e fazendo churrasco. Não pensei duas vezes, parei e pedi para eles me venderem uns pães com carne e refrigerante. A mulher, assustada com aqueles caras parecendo alienígenas saindo do meio do mato e esfomeados, preparou três sanduíches e deu uma garrafinha de refri ainda. Foi um sonho!! 
                Com a energia revigorada e a fome saciada seguimos rumo a chegada. Era inacreditável estar concluindo umas das provas mais duras do Brasil em primeiro na categoria e na geral junto com Pedro Pinheiro. A chegada foi uma festa, com direito a garrafa de champanhe, cerveja, fotos e beijo da namorada. Concluímos a prova em 33 horas e meia e a previsão dos organizadores era de quarenta horas... Como Gerson da Santa Ritta falou a Lucas, "Desculpa aí o tempo pulverizado na transpetar, mas você queria o quê, um Lobo-Guará farejando, Harpya voando e Santa Ritta abençoando, tudo isso envolvido num campo de força do Field Power... rsss, só podia dar quebra de tempo!"

             Chauá é um papagaio em extinção que habita as regiões de florestas úmidas e primárias. Devido ao alto grau de desmatamento que se encontra a Mata Atlântica, cada vez torna-se mais díficil de ser visto, em seu habita natural, esse papagaio. Chauás 300km é uma prova duríssima organizada por Lucas e Fran, que segundo os próprios é para "Poucos e Loucos". Talvez sejamos poucos e loucos mesmo, uma raça em extinção neste mundo de mesmice, de competitividade estúpida, onde as pessoas - assim como aqueles jipeiros detonando as trilhas - pensam a natureza como algo a ser superado. Queremos é se integrar e não superar a natureza. Apenas uma total integração com o meio, se sentir confortável na mata fechada, faz passarmos ilesos por um desafio como esse. Esses poucos e loucos gostam é disso. Somos da turma de Jack Kerouac e não de Lance Armstrong. Deixo um trecho de On the Road para os "Poucos e Loucos": 

"(...) E eu me arrastei, como tenho feito toda a minha vida, indo atrás das pessoas que me interessam, porque os únicos que me interessam são os loucos, os que estão loucos para viver, loucos para falar, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e não falam obviedades, mas queimam... queimam... queimam como fogos de artifício em meio à noite". 
  
             Para fechar queria agradecer ao Lucas e Fran e toda a galera envolvida na organização dessa prova maravilhosa e, principalmente, pelo Rock'n'roll em vez de tecno (kkkk). A cidade de Iporanga que nos recebeu de braços e natureza aberta. A minha namorada pelo carinho e o apoio dado durante a prova. Ao Giordano pelo amizade e o apoio. Meu treinador, Nenem, pela compreensão com minha disciplina às avessas. Ao projeto da UFF esporte, que sem a bolsa que me foi concedida não seria possível estar competindo este ano. Ao Hugo por topar essa idéia de retomar a equipe Harpya e ser um puta atleta, valeu irmão! E a todos que fizeram a prova com esse espirito que a Chauás nos solicitou!!

Valeu demais galera!!
Abraços,

Pedro Alex

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Expedição Terra de Gigantes: começando na tradição

        Desde que comecei a fazer corrida de aventura tinha muita vontade de competir em quarteto, afinal é forma "tradicional". Fui convidado pelo Papaventuras, um quarteto muito especial comandado pelo capitão Valmir e sua esposa Rose e Pedro Pinheiro, para competir a Expedição Terra de Gigantes ao lado deles. O palco Penedo, um vilarejo, caracterizado pela colonização finlandesa, encravado no meio das serras cariocas. Bom, só posso dizer que foi bem especial. 
            A largada foi dada as 8 da manhã com um sol lindo, algumas equipes chegando atrasadas e uma forte descida, fazendo com que o ritmo já fosse alucinante desde da largada. A equipe tinha uma estratégia a seguir, que já é uma caracteristica do Papaventuras: um ritmo constante e uma navegação precisa. Logo no inicio Pedro Pinheiro dava sinais de que não estava bem (o cara tinha sofrido um acidente de moto uma semana antes e estava com a costela trincada e competindo a base de analgésicos...), peguei sua mochila para facilitar seus movimentos. 
         Começamos a bike e pareciam que os problemas de Pedro tinham se resolvido. O ritmo estava bom, tinhamos vários quartetos ao nosso lado e Valmir agia como um buda, sem dar a mínima bola para que posição estavamos. Muito interessante a forma como ele conduz a equipe: uma concentração total na navegação e nas pessoas do quarteto, sem se importar com a posição. Começou um sequência de duras subidas e um calor absurdo. Várias equipes estavam sofrendo com o calor e a nossa não era diferente. Pedro começou a ter hipertremia (quando a temperatura do corpo fica muito quente e mecanismo do corpo não consegue reagir), paravamos a todo instante na subida para ele se recuperar. Eu carregava a mochila de Rose e Valmir empurrava a bike de Pedro para facilitar sua locomoção. No alto da subida um presente de Deus: uma mangueira que serviu para um delicioso banho para espantar o calor. Pedro apresentou uma melhora e apreçamos nosso passo, tinhamos que passar no corte para seguir na prova.
Pico Pedra Selada ao fundo.
         Entregamos a bike uma hora antes do corte, nada mal, mas nos esperava uma subida de quase mil metros de desnível. Saímos num passo constante e fomos acertando bem o caminho. A subida era realmente muito dura, uma trilha exposta, por onde desmatamento avançou para servir de pasto, para em seguida embrenhar dentro de uma mata fechada. Conseguimos ganhar uma posição que foi providencial. No cume uma recompensa, visão panorâmica de 360º graus no alto da Pedra Selada com direito a um rapel de tirar o fôlego.
      Ao descermos a serra tinhamos um monótono estradão para chegar no remo. É imprecionante como é chato andar sem navegação e em estradão, não acaba nunca!! Chegamos no remo, comemos bem, colocamos roupas de frio pois a noite caiu e com ela o frio. O remo era num rio de aguas límpidas e sinuoso. A temperatura ambiente era mais baixa que da água fazendo com que saísse um "vapor gelado" que dificultava a visão e abaixava a temperatura. Já rezava pelo final do remo quando avistamos a área de transição. Pedro se recuperava e parecia que tudo começava a melhorar. Ledo engano.
            Do extremo calor ao meio dia fomos ao frio de matar a noite. Comecei a sofrer muito com o frio ao sair do rio os papéis se inverteram: eu passava mal e Pedro me ajudava. O frio fazia eu ter delírios e um sono que quase me derrubava, literalmente, no chão. Era um pequeno trekking, aproximadamente 6km, até área de transição, mas parecia uma eternidade. Meus pensamentos só conseguiam visualizar a área de transição com uma grande fogueira para me aquecer. Ledo engano 2!! Quando chegamos lá encontramos apenas duas pessoas responsáveis pelo PC com o mesmo frio que nós, entretanto secos. Colocamos todas nossas roupas de frio e partimos para o último MTB para terminar a prova.
Subida final para chegada.
         Quando plotamos nossa rota no mapa, guiados pela primieras informações da prova, não demos conta que o trecho final era de 100km, na nossa cabeça era apenas 50km... Por um lado foi bom, ludibrio nossa mente para a pancada final de pedal. O sono começou a atacar todos da equipe, eu quase cai da bike após uma "pescada" e Pedro caiu. O negócio estava feio, a única esperança era os raios do sol para tirar o sono, mas faltava 30 minutos. Paramos para comer e eis que surge um quarteto, o Enigma, e nos ultrapassa.
         Foi como um tapa de luva na cara que nos acordou na hora. Um pouco mais a frente encostamos neles de novo, bem em uma longa e dura subida. Valmir ia frente, eu um pouco mais atrás e Pedro também. Evitava olhar para o final da subida pela sua inclinação e extensão quando escuto um barulho de pneus tracionando no cascalho solto e nos ultrapassando, quando olho para o lado é a menina que corre no Enigma. Não contente em subir forte ela deu uma verdadeira "chapuletada" na nossa cabeça. Bom, para nossa sorte, alguém do Enigma enfrentava problemas. 
         Animos recuperados, junto da posição, e com os primeiros raios do sol, o sono passou. A prova parecia que tinha começado para todos nós naquele momento. Valmir como um verdadeiro perseguidor falava, "Esses rastros de pneus estão muito frescos, estou vendo a hora que avistaremos outro quarteto!" Quando picotamos o último PC não deu outra, avistamos o quarteto Curtlo Lobo-Guará. Num final emocionante ganhamos uma posição. Um trecho de asfalto nos levava de volta ao distrito da Serra do Alambari, onde tinhamos largado. Entretanto, tinhamos uma subida final impiedosa, chata e longa para superar. 
Todos juntos cruzando o pórtico.
         Chegamos com 26 horas de prova a apenas 15 minutos do 5º colocado, a Xingu, e nos colocando entre os melhores quartetos do país. Sorrisos na face expressavam a satisfação de terminar bem uma prova dura que conseguiu nos levar aos extremos que buscamos. Para mim foi uma satisfação sem palavras competir ao lado da família Papaventuras, uma verdadeira aula de espírito de equipe. Quarteto, com certeza, é a essência da corrida de aventura, e olha que a maioria das minha provas competi na solo. Acho que no quarteto conseguimos trabalhar aquilo de máximo que este esporte tem a nos oferecer: situações limítrofes com o espírito de equipe. Em equipe você tem que aprender ajudar e a respeitar seu companheiro(a), pois a equipe é UM, formado por quatro. Acho que os poucos estou me formando como um corredor de corrida de aventura, como uma grande lição do Capitão Valmir, "corredor de aventura é aquele que se sente confortável em situações adversas". Ora, acho que é isso que busco aprender, para as provas e para vida.
Abraços a todos,

Pedro Alex