Nos
momentos que não estou movimentando o físico (e nem estudando), gosto da
possibilidade de “viajar” com a literatura. Falam em cultura de montanha
referindo-se às práticas de vida adotadas pelos amantes das encostas
escarpadas. Entretanto existe uma outra 'cultura de montanha' que é um hábito
antigo desde os tempos dos primeiros expedicionários: escrever sobre as experiências
vividas. Além das realizações físicas, as grande aventuras sempre envolvem uma
certa dose de questionamentos que nos remetem às nossas mais profundas
filosofias. Um bom livro é como uma boa
viagem: consegue reproduzir no seu imaginário aquelas experiências que o
narrador viveu. Quanto mais nos aproxima dos sentimentos, dos gostos, dos
cheiros, das cores, mais consegue nos transportar para dentro daquele universo
e, além do mais, nos da aquela vontade (ou angústia) de nós mesmo provar aquilo
que outro provou.
Assim que vejo o livro recém
publicado No teto do mundo (2011) de
Rodrigo Raineri e Diogo Schelp. Encontro primoroso entre um aventureiro, suas
vivências e um excelente escritor que consegue dar uma linha prazerosa de leitura a narrativa. Com um vocabulário
simples, analogias interessantes que são da nossa cultural geral, o texto se
desenvolve de forma brilhante fazendo o leitor se sentir como um obeso
insaciável querendo, sem limites, comer o último M&M's do pacote. Será uma
febre do cume? Algo do tipo...
Rodrigo Raineri é um escalador
brasileiro com um currículo de alta montanha de dar inveja a grandes
escaladores internacionais. Teve seu talento reconhecido após escalar a temida
face sul do Alconcaguá na companhia de seu (finado) amigo Victor Negrete,
considerada umas das vias mais difíceis e arriscadas do mundo. Também passou quatro expedições em busca de fazer cume no pico mais alto do planeta e, no
caminho, perdeu seu maior parceiro. Conseguiu tal feita por duas vezes (2008 e
2011), se não bastasse agora tenta saltar de parapente do cume do Everest. Desistiu
de uma vida segura oferecida por um trabalho convencional para viver seu sonho.
Sua trajetória é digna de filme, mas foi perpetuada neste primoroso livro. Como lembrou nosso grande Guimarães Rosa “
Agente vive é para provar que viveu”, faz jus a vida desse homem.
Com um senso de prudência
espetacular, Rodrigo Raineri, mostra que se expor à grandes aventuras não é um
ato inconsequente de vaidade dentre seus pares e da grande mídia, mas um jogo
de conquista que envolve a relação do montanhista consigo mesmo e uma espécie
de namoro com a montanha. No final não há vitórias, mas relações entre o homem
e a montanha, um caminho duplo de ida e volta. Livro que nos remete a pensar,
por que vamos a estes lugares? Por que temos essa necessidade de passarmos tão
perto da morte? (E olha, ele passou perto dela um par de vezes: através dos
corpos cristalizados na subida do Alconcaguá e do Everest e perdeu seu grande
amigo e parceiro de escalada). O livro não tenta dar respostas a estas
perguntas e nem os eventos trágicos foram suficientes para freiar a motivação
desse aventureiro.
O caminho é sem retorno, a montanha já é parte
do seu ser, uma necessidade imanente. Isso transparece de forma bela pelas
linhas. A minúcia da organização das expedições demonstra, a despeito de todo
desejo de cume, a vontade de viver. A narrativa não respeita a cronologia das
empreitadas. Como uma mente em ação, o texto vai e volta nas expedições
realizadas dando uma linha aos temas que os capítulos descrevem conduzindo o
leitor ao âmago dos questionamentos sofridos por ele. Mais que um super-homem
indo em busca de um grande feito, Rodrigo (se permite a intimidade) mostra-se
como um sujeito comum, tão forte e tão frágil, cheio de dúvidas e medos, mas
com um força incrível para desafiá-los.
Assim como a foto do cume que nos
faz querer ir lá, deixo um trecho para aguçar a vontade da leitura.
“Olhei ao meu redor. Podia avistar os
limites do planeta, longe, muito longe. O cume do Everest é uma plataforma
levemente abaulada, de, no máximo, 20 metros de largura e uns 50 metros de
comprimento, que acompanha o declive da montanha. Em alguns pontos há neve, em
outros, rocha aparente. Simples assim. Incrível o que se é capaz de enfrentar
apenas para ter a satisfação de estar ali. O homem é do tamanho dos seus
sonhos.”
Boa Viagem!
RAINERI, Rodrigo, 1969. No teto do
mundo / Rodrigo Raineri com Diogo Shelp. São Paulo: Leya, 2011. 272 p.
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